O Centro de Formação e Pesquisa das Artes Cênicas Apolo-Hermilo dando continuidade as ações formativas, está disponibilizando aos artistas da dança e do teatro o Edital Prêmio Pesquisa O Solo do Outro e Aprendiz em Cena, aqui disponibilizado.
Maiores informações ligar para 081.3355.3319 e 3326, ou pelo e-mail centroapolohermilo.pauta@gmail.com
PREFEITURA DO RECIFE
SECRETARIA MUNICIPAL DE CULTURA DO RECIFE – SECULT.
EDITAL PRÊMIO DE PESQUISA O Aprendiz Em Cena e O Solo do Outro.
1. DO OBJETO
1.1A Secretaria de Cultura do Recife, por meio do Centro de Formação e Pesquisa das
Artes Cênicas Apolo-Hermilo - CFPACAH - torna público o Edital Prêmio de
Pesquisa: O Aprendiz em Cena e O Solo do Outro, no âmbito da pesquisa,
criação e difusão do Teatro e da Dança, destinados nesta edição, a incentivar
abordagens dramatúrgicas e de linguagens sobre a obra de Hermilo Borba Filho.
Para tanto, convida os interessados a apresentarem seus projetos nos termos
estabelecidos a seguir:
2. DA DESTINAÇÃO
2.1 O Edital Prêmio de Pesquisa O Aprendiz em Cena e O Solo do Outro é
exclusivamente destinado, na qualidade de PROPONENTE, a artistas teatrais
iniciantes (O Aprendiz em Cena), e artistas de dança iniciantes (O Solo do
Outro), que serão responsáveis pela assinatura do projeto, condução da pesquisa e
montagem.
3. DAS INSCRIÇÕES
3.1 As inscrições serão feitas por meio do envio de envelope lacrado indicando o nome
do projeto a que pretende concorrer. O mesmo deverá conter PROJETO
ARTÍSTICO, conforme item 06 e 08 do edital. Os projetos deverão ser entregues
no próprio Centro Apolo-Hermilo, ou postados pelos Correios, via SEDEX, de
acordo com o período estabelecido no Calendário Programático, para o seguinte
endereço, conforme modelo abaixo:
EDITAL PRÊMIO DE PESQUISA O Aprendiz em Cena e/ou O Solo do Outro.
Nome do PROPOSTA: (...)
Nome do PROJETO: (...)
REMETENTE: (...)
ENDEREÇO: (...)
Destinatário: Centro de Formação e Pesquisa das Artes Cênicas Apolo-Hermilo
Av. Cais do Apolo, s/nº - Bairro do Recife, Recife (PE)- CEP 50030-220
tel. 3355 3320, 3355 3319, 3355 3318.”
PARÁGRAFO ÚNICO
Desde já, fica acordado que só serão consideradas as correspondências postadas até o
último dia de inscrições, e o seu recebimento até 02 (dois) dias após postagem.
4. DOS DOCUMENTOS E IDENTIFICAÇÃO
Deverá o Proponente incluir no projeto seu nome, informando sua personalidade nos
termos a seguir.
4.1 Pessoa Física;
4.2 Pessoa Jurídica;
PARÁGRAFO ÚNICO: as documentações inerentes aos itens 4.1 e 4.2 serão solicitados
pela Comissão de avaliação após o julgamento das propostas e deverão ser entregues
dentro do prazo designado pela Comissão.
5. DA SELEÇÃO E COMPOSIÇÃO DAS COMISSÕES DE AVALIAÇÃO DO MÉRITO
5.1 A seleção dos candidatos para os dois Prêmios se dará por meio de 02 (duas)
Comissão formadas por 04 (quatro) membros cada, assim compostas:
5.2 01 (Um) do representante ou designado pelo Setorial de Artes Cênicas do Conselho
Municipal de Política Cultural do Recife;
5.3 01 (um) representante do Centro de Formação e Pesquisa das Artes Cênicas ApoloHermilo;
5.4 01 (um) representante ou designado pela Gerência das Artes Cênicas da Fundação
de Cultura da Cidade do Recife;
5.5 01(um) Presidente, cargo reservado ao Gerente Geral do CFPACAH, que não terá
direito a voto.
PARÁGRAFO ÚNICO: A pontuação dos projetos será em notas de 0 a 05 pontos, sem
números decimais, em ordem decrescente.
6. NORMATIVAS DO PRÊMIO O APRENDIZ EM CENA
6.1 OProjeto é destinado a artistas teatrais, com no máximo três espetáculos, com
apresentação de currículo, fotos e comprovação;
6.2 Será selecionado apenas 01 (um) artista teatral;
6.3 Serão oferecidos quatro contos de Hermilo Borba Filho, para escolha de apenas 01
(um) para adaptação;
6.4 O projeto de pesquisa e montagem do conto selecionado pelo proponente deverá
conter:
6.4.1 Sinopse da adaptação;
6.4.2 Metodologia de pesquisa;
6.4.3 Cronograma de trabalho;
6.4.4 Concepção de encenação;
6.4.5 Indicação até 03 (três) artistas teatrais com experiência comprovada de no
mínimo 07 (sete) espetáculos, com cartas de anuências, fotos e currículos com
comprovação;
6.4.6 Indicação de um diretor de arte, um diretor musical, um iluminador, um produtor
executivo e uma costureira ou a substituição por outros profissional que
necessite.
PARÁGRAFO ÚNICO:
O projeto selecionado receberá a orientação de um profissional de comprovada
experiência a ser indicado pelo Centro Apolo-Hermilo.
7. DOS RECURSOS DESTINADOS AO PRÊMIO DO O APRENDIZ EM CENA
7.1 O projeto destinará para a viabilização da montagem o valor de R$22.300,00 (Vinte
e dois mil e trezentos reais).
8. NORMATIVAS O SOLO DO OUTRO
8.1 O Projeto é destinado, como proponente,para coreógrafos com até 07 espetáculos,
com apresentação de currículo, fotos e comprovação;
8.2 Será selecionado apenas um proponente;
8.3 Serão oferecidos quatro contos de Hermilo Borba Filho, para escolha de apenas 01
(um) para adaptação;
8.4 O projeto de pesquisa e montagem do conto selecionado pelo proponente deverá
conter:
8.4.1 Metodologia de pesquisa
8.4.2 Cronograma de trabalho;
8.4.3 Concepção coreográfica;
8.4.4 Indicação até 03 (três) artistas da dança, que não pertençam ao grupo do
proponente, com experiência comprovada de no máximo 03 (três) espetáculos,
com cartas de anuências, fotos e currículos com comprovação;
8.4.5 Indicação de um diretor de arte, um diretor musical, um iluminador, um produtor
executivo e uma costureira ou a substituição por outros profissionais que
necessite.
PARÁGRAFO ÚNICO: O projeto selecionado receberá a orientação de um profissional de
comprovada experiência a ser indicado pelo Centro Apolo-Hermilo.
9. DOS RECURSOS DESTINADOS AO EDITAL PRÊMIO O SOLO DO OUTRO
9.1 O projeto destinará para a viabilização da montagem o valor de R$22.300,00 (vinte
e dois mil e trezentos reais).
10.DO CALENDÁRIO PROGRAMÁTICO
10.1 O presente Edital abrangente para os projetos Aprendiz Em Cena e O Solo do
Outro, obedecerá ao seguinte calendário:
Publicação 08 de julho de 2015
Inscrição De 09 a 30 de julho de 2015
Avaliação 01 a 03 de agosto de 2015
Publicação 06 de agosto de 2015
Período de
Pesquisa e
montagem: O
De 07 de agosto a 19 de novembro de 2015.
Aprendiz em Cena
Período de
Pesquisa e
montagem: O Solo
do Outro
De 07 de agosto a 17 de outubro.
11. DA CELEBRAÇÃO DO TERMO DE COMPROMISSO
11.1 Os selecionados, imediatamente após a publicação dos resultados deverão assinar
contrato, e desde e então serão denominados de Artistas Vencedores do Edital Prêmio O
Solo do Outro ou do O Aprendiz em Cena, celebrando-se entre as partes o devido Termo.
12. DAS OBRIGAÇÕES DOS ARTISTAS
12.1 Entrega de relatório no final do processo, composto por vídeos, fotos, e
depoimentos dos participantes e outros.
12.2 O espetáculo do O SOLO DO OUTRO deverá realizar apresentação durante o
Festival Internacional de Dança do Recife, em dia e horário programado pelos
organizadores.
12.3 O espetáculo do O APRENDIZ EM CENA deverá realizar apresentação durante o
Festival Recife do Teatro Nacional, em dia e horário programado pelos organizadores.
13.DAS OBRIGAÇÕES DO CENTRO
13.1 O Centro Apolo Hermilo fica obrigado a:
13.2 Encaminhar documentação para pagamento para do Prêmio;
13.3 Divulgar o processo de pesquisa e montagem;
13.4 Disponibilizar todos os registros para o Centro de Documentação Osman Lins;
13.5 Possibilitar a apresentação no Festival Internacional de Dança do Recife e no
Festival Recife do Teatro Nacional;
13.6 Ceder pauta de 04(quatro) semanas no teatro Hermilo Borba Filho, no mês de
Março de 2016, em dias a serem indicados.
14.DOS DIREITOS DE MONTAGEM
14.1 Fica acordado que os direitos de montagem, dos dois espetáculos correspondentes
ao Solo do outro e O Aprendiz em Cena, serão exclusivamente da Secretaria de Cultura,
até a conclusão das temporadas no mês de março de 2016. Imediatamente após esse
calendário acima mencionado, serão repassados para os artistas vencedores do Prêmio.
15.DA COMPROVAÇÃO DE CONCLUSÃO
15.1 O Centro Apolo Hermilo fornecerá a cada um dos Artistas concluintes certificado
assinado pelo Gerente Geral do Centro de Formação e Pesquisa das Artes Cênicas Apolo
Hermilo, e pela Secretária de Cultura da Cidade do Recife.
LEOCÁDIA ALVES DA SILVA
SECRETÁRIA DE CULTURA
Contos de Hermilo Borba Filho
Os contos aqui disponibilizados deverão ser apreciados pelos
proponentes, escolhido apenas um, e a partir deste elaborar o projeto destinado
ao Solo do outro ou para O Aprendiz em Cena.
Conto 01. A Enchente.
Marulhou, gorgolejou, ela sentiu mais
que ouviu a corrente, gorgolou, estava nos pés, ela na beira da cama, e o
defunto?, pulou, espadanou água na altura dos joelhos já, se guiava na
penumbra, sozinha, talvez ilha, a corrente subindo e a chuva caindo, quando
balançou os tamboretes que apoiavam o caixão viu que estavam bambos, pensou em
sair com o esquife, o morto dentro, nos braços, atravessando o rio, chegou a
rir com a idéia, rir-se de tudo, afastou-se um pouco, ficou parada no meio da
sala invadida pela preguiça dos fósforos e do candeeiro, tinha nada não, que
tinha?, ficava mesmo ali, atenta, a quê?, atenta, foi tão ligeiro que quando
ela viu foram os joelhos frios e a frieza da água, bem meio metro calculou,
mas sabia que cálculos não iriam adiantar nada, só ficou imaginando o fim, de
tudo menos o dela, nadaria, voaria, sairia.
Quando os cavalos na estrebaria se
levantaram e se moveram nos beiços um de outro, aos coices as tábuas voaram, o
cão ergueu as orelhas, na espera, a cabeça deitada ainda e sobre ela, à procura
de calor, a ovelha, isto no mais alto, a chuva caindo, a água nos gorgolejos de
corrente, os bichos atentos, mas somente atentos, havia um olho que os espiava
e era o olho de quem não se sabia, no mundo líquido uma volta que dava já
formava um redemoinho, o funil na velocidade maior arrastando o que ia de
cambulhada: panelas, copos de ágata, quadro de santo, flores de contas de
mulungu, as riquezas da casa.
Na sala, a mulher tirou a roupa, toda
a roupa, sentia que devia estar nua quando chegasse o fim, o fim para tudo
menos para ela, continuava pensando, preparava-se, água nas coxas, os pés quase
sem apoio no escorrego, já para um metro de andada os braços faziam o movimento
do nado, com mais um pouco era abandonar tudo, teria forças, acreditava, água
no horizonte e ela mais além do horizonte, era forte já nadava ao derredor da
sala, foi quando olhou em volta e viu: o
defunto metido na fatiota nova e nos sapatos de verniz boiava, satélite do
caixão, em movimentos lentos, dir-se-iam medidos, graciosos, rodeados pelas
borbulhas, bolhas e barulhos de água cada vez mais crescente, ela nadou junto
dele procurando uma saída, abrira uma janela e água emendara com água, um
lençol na noite cinzenta, a mesma chuva. O mesmo céu fechado, luz nenhuma, ilha
mesmo afinal, todos no nado.
Do defunto foi separada por um peixe
escamoso que mexia as nadadeiras e fazia pequenas ondas dentro das maiores, num
volteio ela bateu com o braço na cadeira de balanço que vogava, sentiu-se
dormente quando mais precisava dele, lá fora já nadavam sem destino cavalos,
cães, ovelha, o olho continuava fixo na observação aquática, na vida fluvial,
na latomia pluvial, no tempo e no gesto, na espera e na ânsia, no nado e no nada,
nadavam e se esbofavam e voltavam ao mesmo lugar, aos bichos se juntaram o
defunto e o caixão, tudo num rodopio para o funil, para o cone, na descida
verticatiginosa, ali seria definitivamente o Abreu, a mulher o olho viu no
exato momento em que uma trave, caindo, alcançava-a na altura dos olhos
jogando-a na escuridão total, o sangue jorrando e água absorvendo-o, os peixes
bicando-o, quase nenhum vermelho, e já a mulher, entre a vida e a morte,
perdida a certeza, ia para o funil. No alto do frontal, na escuridão e sob a
chuva, o carneiro de pedra branca, sentado, montava guarda.
Conto 02. Lindalva
Obra de uns seis para oito anos durava o namoro: sabonete
Dorly nas segundas-feiras, brilhantina Flor de Amor nas terças, colônia
Royal-Briar nas quartas, talco Ross nas quintas, esmalte para as unhas nas
sextas, nos sábados uma lata de goiabada marca Peixe e nos domingos um
pão-de-ló feito por sua tia, com quem morava desde que órfão ficara, Antônio
Periquito das Neves Cândido, mais conhecido como Candinho-das-Amas,
especializado em aventuras domésticas para satisfação do corpo, mas par
constante de Lindalva, moradora na Rua da Ponte, quase em terras do Engenho
Japaranduba, em cuja janela se debruçava todas as noites às sete, saindo às
dez, antes entregando-lhe o presente do dia, sem contar os das quatro festas do
ano, no carnaval uma caixa de Vlan, pelo São João fogos-de-bengala, na festa da
padroeira gravuras da santa, pelo Natal um bolo-de-bacia, isto sem levar em
conta as frutas da estação e outras bugigangas tais como biliros,
fitas,meias,batons,ruges,marrafas, anéis de feira, pulseiras de vidro, brincos
de fantasia, até mesmo um corte de fazenda.
Desusados esforços
envidava Candinho-das-Amas para o presente do dia, já que empregado nas redação
do tempo azeitando o eixo do sol, nos conformes dos dizeres da tia, ditos de
bondade, incapaz de alevantar a voz para o seu menino,indo ele desde o pedido à
tia, emérita boleira, aos pequenos roubos, à venda de frutas do quintal, magros
mil-réis, suores frios, dias havia em que chegava a boca-da-noite, o comércio
fechando e ele sem presente, dia de azar no víspora de Nenê Milhaço ou na fiche
de Guará, sempre por artes mágicas os caraminguás apareciam e o presente saia,
nunca falhara uma só noite nos todos os dias que se decorreram em bem seis ou
oito anos, conforme já se disse e se reafirma agora. Desassossego maior era no
dia do aniversário de Lindalva quando a prenda deveria ter mais valia, podendo
ser um par de sapatos ou mesmo um anel de alguns quilates dourados comprados a
Doroteu, quase sempre à prestação, está-se a ver, o que desequilibrava
completamente o plano orçamentário de Candinho-das-Amas, as próprias
domésticas, às vezes, contribuindo com uma propina pós-coito, dada a sua
perícia técnica, tudo servindo para o mealheiro dos presentes.
Sete da
noite, Pirangi batendo no sino do mercado, ele apontava na esquina e ao soar a
última badalada estava estendendo a mão para Lindalva que justo naquele momento
debruçava-se na janela e estendia a sua para, antes, receber o presente, muito
agradecida, colocando-o num canto, novamente estendendo a mão que Candinho-das-Amas
aninhava nas suas, contemplando o generoso decote, mas jamais avançava um
centímetro além da mão, seria sua esposa um dia, tinha empregos prometidos, aventuras
de corpo ficavam para as amas, nem sequer despertava fisicamente para Lindalva
por enquanto, dizia, era o respeito, ficaria para a noite nupcial, Lindalva
parece que ficava muito satisfeita com todos aqueles propósitos de castidade,
mas curvava-se à devoção e aos presentes. E conversavam sobretudo sobre os
afazeres domésticos dela, a retreta do domingo, os achaques da mãe e o
reumatismo do pai, o tempo com a chuva ou sol, as pespectivas da safra, o filme
do Cine-Apolo, das sete às dez, longas pausas de entremeio, as mãos suadas sem
se mexerem, Candinho-das-Amas de pescoço doído de olhar para cima e de baço
dormente da posição, Lindalva de cotovelos escalavrados, mas firmes na noite,
das sete às dez, todas as abençoadas noites estivais ou invernosas, nestas
Candinho-das-Amas metido num capote de baeta, suando em bicas, mas enxuto,
somente os pés molhados, a chuça martelando e ele agarrado nas mãos de
Lindalva, das sete às dez.
No primeiro
de dezembro deu-lhe o estalo: a oleografia da santa na sala de visitas da tia
era o presente ideal para Lindalva no dia oito, festa da padroeira, festividade
maior, quando da janela ouviriam os sons da banda de música, dos pregões do
leilão, do bruaá que ali chegava, já que nunca os dois, juntos ou acompanhados,
passearam pela praça, foram ao cine, compareceram a um baile. Dali da janela
não saiam, tudo era ali, nas mãos dadas, das sete às dez; e tome uma santa, a
santa, sua imagem de santa em azul e róseo, em brancos e carmins, em violáceos,
mas a tia não lhe dava a santa, não abria a mão da padroeira, fora presente do
falecido, balançava a cabeça, negava, obtemperava firme, ele juro que não ia
fazer isto que fará eu, Candinho-das- Amas menino dengoso no dia dois, adulador
no dia três, amuado no dia quatro, os dias se passando, o dia se aproximando,
fora de casa na noite do dia cinco, lacrimoso no dia seis, tentando suicídio de
mentira no dia sete. Ameaçando de morte na tarde do oito, na noite do dia oito
às quinze para as sete com a padroeira debaixo do braço, embrulhada em papel
celofane, em direção à Rua da Ponte.
E quando
chegou no princípio da rua olhou, com o coração batendo, a janela iluminada,
tal-e-qual como nas outras noites, só que naquela o coração lhe dizia que
alguma coisa de maior haveria de acontecer, foi andando e andando se
aproximando com o coração aos pulos, aos pulos chego era estender a mão na
batida das sete e Lindalva estender a sua, receber a santa, e as sete baterem e
a janela vazia estava vazia ficou, de primeiro sentiu uma tonteira, coisa de
pouca duração que apareceu uma mulher, a mulher era a empregada que tinha visto
raras vezes, a empregada lhe disse algo, nada ouviu, somente a mão estendida da
empregada com um papelito, poderia ser uma dose de sal amargo mas não era,
talvez farinha-de-castanha mas também não era não, bicabornato de sódio e o tal
não era, era papel de bilhete, desdobrou-o, com a lua que vinha da sala, a
santa debaixo do braço, conseguiu lê-lo, as letras trêmulas: Candinho, resolvi
depois de muito pensar e de muito sofrer acabar com o nosso namoro da sua amiga
Lindalva e a da santa caiu e o vidro quebrou, deixou-la lá, abaixou-se e tirou
os sapatos, deu um nó nos enfiadores, enfiou-os no dedo, os sapatos numa mão e
o bilhete na outra, atravessou a rua, entrou na bodega confronte, balcão, disse
para o bodegueiro uma bicada, tomou-a, estendeu-lhe o bilhete, veja, Lindalva é
minha amiga, minha amiga Lindalva, saiu sem pagar e o bodegueiro deixou-o ir;
atravessou o ria, foi bater na casa-grande do Engenho Paul, veio o vigia, meu
compadre Lauro Paiva, quero falar com o meu compadre Lauro Paiva, veio o
compadre Lauro Paiva, estendeu-lhe o bilhete, veja, Lindalva é minha amiga,
minha amiga Lindalva, não esperou resposta, desfez o caminho, mesmo de noite
foi envolvido por uma nuvem e nela andou, voou, reatravessou o ria, subiu a
ladeira da estação, entrou sem pedir licença na
do Doutor Bertoldo, mostrou-lhe o bilhete, Lindalva, Lindalva é minha
amiga, minha amiga Lindalva. Doutor Bertoldo deu-lhe um conhaque e um charuto,
tomou o conhaque e acendeu o charuto, foi em direção à pensão de Quiterinha, de
puta em puta com o bilhete, veja, Lindalva é mina amiga, minha amiga Lindalva;
e no fuá parou a orquestra, aos músicos foi, de bilhete em punho, mostrando e
falando Lindalva é minha amiga, minha amiga Lindalva; e deixou-se ficar num
canto, bebendo e babando, só murmurando Lindalva é minha amiga, minha amiga
Lindalva; invadiu a casa paroquial e tirou o padre Abílio da conversa com os
magníficos, ao padre mostrou, aos magníficos mostrou e para todos falou
Lindalva é minha amiga, minha amiga Lindalva; e no Pátio do Mercado chegou e a
todos foi: ao homem do tivoli, ao bedegueba do pastoril, ao leiloeiro, ao homem
da roleta, ao capitão do bumba e ao vassoura do fandango, ao presidente do Clube
Literário e ao prefeito, todos leram o bilhete e ouviram sua afirmativa
dolorida: Lindalva é minha amiga, minha amiga Lindalva; e quando subiu as
escadarias da igreja viu-a, dedo mindinho com o dedo mindinho com o
caixeiro-viajante da fábrica Bordalo, ela se escolheu, o caixeiro-viajante que
é que há meu bem, ela nada, encolhida, só encolhida, Candinho-das- Amas na
frente dos dois e de costa para os dois se postou, os sapatos pendurados no
dedo, o bilhete na ponta dos outros, a camisa fora das calças e a gravata
torta, o chapéu fora do prumo, bem junto, quase colado no casal, o olhar
atravessando o pátio, falando e eles ouvindo, falando: Quem chupou minhas
laranjas-cravo é só pagar;Quem recebeu meus biliros, minhas brilhantinas, meus
extratos meus pós-de-arroz as barraquinhas estão aí mesmo; e continuou falando
mesmo muito depois que o casal já não estava mais às suas costas, saindo à
sorrelfa, e quando olhou de soslaio e viu que era lugar limpo, mesmo assim, em
tom de discurso, continuou a relembrar os presentes dados e recebidos durante os
seis para oito de janela das sete às dez, juntando gente, a multidão formada, e
ele na falação, até que chegou o Cabo Luiz e o levou pelo cós das calças até a
beira do rio, mergulhou profundamente sua cabeça dentro d´água para tirar as
fumaças de bebedeira, mas bebedeira era outra, foi o que ele disse à
autoridade, bebedeira de amor, senhor cabo, bebedeira de corno, e lhe nasceram
chifres e pelas ruas correu, e pega daqui e pega dali, Lindalva já estava na
barraca das prendas quando ele subiu à torre da igreja e deu um brado Lindalva
é minha amiga, minha amiga Lindalva, e foi ela olhar para o alto e ele ir-se,
adejou, passou por cima do Cine-Apolo, de chifres e asas, gritando atpe se
perder, o eco cada vez mais fraco, Lindalva é minha amiga, minha amiga
Lindalva, e noticias dele não se teve, não foi pescado no rio nem encontrado na
mata, deu-se como perdido e não se falou mais nele, nem mesmo Lindalva.
Conto 03. A Rã
No Coaxo, ela, na
coaxada tardes e noites, a rã, já deveria estar acostumada, ela, a mulher, na
beira do riacho corredor, só que nunca via a rã, nunca quase, quando a via
tinha um nojo de arrepiar a pele, era uma ou eram mais?, dizer não saberia, só
o coaxo dobrava com o vento, pior ainda na cruviana da noite, embora de mesmo
de noite ao riacho só tivesse ido em caso de necessidade da mais premente,
qual?: lençol co diarréia de menino novo, lençol com vômito de marido, lençol
na primeira pancada do boi, coisas raras, anuais até, riacho era coisa para de
dia e de dia podia ver a rã, só que raramente já se disse, mas de noite era de
ouvi-la na coaxação, que animal coaxante a rã nascera, da sua condição.
Vai na manhã de roupa na cabeça, vai, ao riacho, pensamentos
nenhum, brisa fresca e sol acabado de nascer, florzinhas pelas beiradas do
caminho, amarelas, brancas, róseas, essa coisa de passarinhos e insetos e
bichinhos rastejantes e corredores, manhã já se disse, e na picada vai, vai ao
riacho, sozinha, aquele fio-d´água é só para ela, aguada maior fica muito mais
embaixo, lá onde as lavadeiras mourejam, ela não é lavadeira, lava o da tua
casa, do seu homem de cama e mesa e dos outros:irmãos e filhos taludos, todos
já na touceira da cana, nas várzeas e nas chãs, só de tardinha chegariam; e lá
vai para o riacho, vai, se disse, se repete, é necessário insistir nessa
caminhada, vai lá, ó mulher, acocorada já, a saia arrepanhada para dentro das
coxas, à mostra joelhos reluzentes, e sobre a pedra, no vuco-vuco do sabão, os
panos, os timões, as ceroulas, as anáguas, os corpinhos, calças e camisas de
saco de farinha-de-trigo, peixinhos na ronda, bicando e repudiando o sabão
forte, ela lá, sol se levantando, tudo ao derredor e na pedra ao lado, sem
saber como, a rã, pequenina, quase confundida com o cinzento da pedra, ela mas se
apercebeu, quando viu a rã, arrepiou-se, afastou p arrepio, uma coisinha dessa
resmungou, convenceu-se:não PE medo, é nojo.
A rã pulou para outra pedra, oi, cresceu um pouquinho ou é
outra, intrigou-se ela, besteira, a mesma, não pode crescer num pulo, estirou
as perninhas, foi isso, só, baixou a cabeça e voltou aos panos vendo o sabão
formar correntezas brancas, lavou e enxaguou até ver tudo alvo e sentir os
braços doídos, ergueu-se no sol a pinp estendeu os paos nas pedras para quarar,
iria ao almoço, voltaria ao de tardinha para apanhar a roupa, ajuntou os seus
apetrechos, um sapo?, bem reparado não, uma rã, do tamanho sim, a mesma não
podia ser, rã nenhuma vai crescendo assim na vista da gente, arrepiou-se mas
deu um muxoxo, afastou a rã da cabeça e pôs-se a caminhar na picada, para casa,
ainda teria que fazer o almoço dela e do dos homens, na picada seguia, uns
baques fofos no capim, parou, olhou para trás, a rã, ela, crescera para o
tamanho de um sapo-boi, não podia ser, gritou, dessa vez, grito em vão, começou
a correr, pulos fofos continuavam perto, avistou a casa, correu mais, adentrou
a casa, trancou a porta, trancou as janelas, quando se sentou no tamborete,
arfante, em cima da mesa, papo batendo, a rã, grande, de olhos pulados, ela e a
rã na casa fechada, correu para o quarto, passou a tramela na porta, na cama,
maior ainda, comparado o tamanho a um peru-de-escova, dos grandes, a rã, papo
batendo, boca rasgada.
E lá se foi a mulher para os campos, a rã atrás, sempre
crescendo, voltou à casa, a rã maior, cansou a mulher, ficou derreada a um
canto, todas as portas e janelas fechadas, a rã crescendo, a s duas, a rã e a
mulher, já eram do mesmo tamanho, estavam juntas agora, o medo da mulher se
fora, só faz mesmo fechar os olhos e esperar.
Quando, de tardinha, os homens chegaram para o descanso e o
de-comer, com portas e janelas trancadas gritaram e mais que gritaram e nada de
nada, abaixo foi uma das portas, vasculharam toda a casa e não encontraram a
mulher, foram aos campos, nada, no riacho as roupas continuavam quarando com
pedrinhas em cima por causa do vento, voltaram à casa, nada, somente em cima da
mesa uma rã, uma pequena rã, uma rã de parece que um dos homens, impaciente,
afastou com um piparote.
Conto 04. A Anunciação
Pirangi nem viu nem nada. Devia ter sido posto depois que
badalara as quatro, quer dizer, quando os profissionais da madrugada já
circulavam e o dia ameaçava romper, os profissionais no inquérito negando de
pés juntos ter visto sequer sombra do capataz que se esquivava nos altos da
Casa Almeida Tecidos Ferragens Secos e Molhados: MINHA VIDA É VERBENA, um
cartaz daqueles comumente usados pelo Cine-Apolo, papel branco sobre sarrafos
entrelaçados, tinta azul, as letras mal feitas, mas Fanhim Deixa-que-eu-chuto,
que percorria os pontos estratégicos da cidade carregando-os, botando-os e
trocando-os, conforme a fita, chamado para o inquérito, tudo negou com maneios
de cabeça e resmungos, dele só se ouvindo claramente uma frase: Eu termino
tomando na jatobá. O que intrigava mais mundo naquele sovaco da região – frase
somente dita uma vez pelo recém-advindo promotor Tertuliano Braga de Caldas,
recém-egresso dos bancos acadêmicos, somente dita uma vez porque jamais teve
oportunidade de repeti-la, embora garantisse e soluçasse depois que fora uma
brincadeira trêfega, já que removido imediatamente pelo governador em
exercício, a pedido do prefeito em exercício – era como diabo de cão aquele
cartaz tão grande podia ter sido içado e amarrado a arame no pára-raios.
E começaram as especulações e os cochichos, os murmúrios e os
disses, os ouvi dizer, os segredinhos, as intenções, os dedos apontados, houve
quem primeiro pensasse nas artimanhas do vizinho município de Catende, cujo
time de futebol fora lavado no último domingo, depois debaixo de tudo quanto
pedra encontrada numa redondeza de dois quilômetros para bombardear o trem que
levara de volta os vencidos, uma das pedras recocheteantes acertando em cheio
nos cornos do tabelião apelidado de Chico Viperino, casado com a matrona Inácia
Lambe-Lambe, sobejadamente conhecidos e reconhecidos como os maiores papadores
da vida alheia, e em cuja casa acudiam as comadres e os compadres para pensarem
em tão magno enigma, Chico Viperino ainda de gase na cabeça, Lambe-Lambe
recebendo as visitas, ele está completamente quase bom, o tabelião na
espreguiçadeira mais ouvia do que falava para significar i pesaroso do seu
estado, mas quando falava era na chincha, e abria perspectivas imensas de
assombro nos olhos quando a compreensão chegava, dele partindo a idéia de que a
mulher do prefeito, uma das da roda, falasse sem petição ou requerimento, na
intimidade, ao seu emérito marido no sentido de que congregasse todas as forças
para elucidação do enigma que tanto vinha inquietando a vida da cidade: os
membros da Associação Comercial, os da Sociedade União Humanitária, os do
Recreio Familiar, os do Clube Literário, entre eles juízes e o promotor e o
delegado, sobretudo estes três, responsáveis diretos pela tranqüilidade di
vale, afirmando com muita seriedade, rosto preocupado, sábado faz quinta-feira
que botaram o cartaz e ninguém ainda não sabe de nada.
A mulher do edil sentiu-se feliz por ter outra ocupação na
vida que não a de levar bolachas Maria santinhos coloridos e rapé, uma vez por
mês, para os três trancafiados crônicos na cadeia pública: Goguéia, Bole-Bole e
Bole-sem-Tempo, e pôs-se a galopar no campo das suas amizades, com ordem do
marido, a sessão tendo lugar na sala de audiências do Paço Municipal, o
beletrista Costinha, arauto dos sentimentos de toda a população, apelando para
as autoridades constituídas no sentido de elucidação do mistério, a primeira
providência consistindo na retirada do acintoso cartaz, coisa primária na qual
ninguém havia pensado; a segunda como sugestão, mandando que o funcionário
competente verificasse nos livros de licença se licença fora concedida e a qual
ente e vivente, para aposição do cartaz em pauta, ausente a qual se
caracterizaria a culpa; e terceira e última, porém não menos importante, uma
missa campal ao mesmo tempo de agravo e desagravo pela audácia de inquietar a
heróica cidade.
Foi a partir, pois, da manhã seguinte a esta tarde, quando as
autoridades houveram por bem acatar as sugestões do poeta Costinha, futuro
camisa-verde, que a cidade começou a viver em pé-de-guerra, na inquietação
maior. Para começar, às oito horas, mas o comércio abrindo as suas portas,
chegaram os próceres e a banda de musica Siri-na-Lata, bem defronte da Casa
Almeida tecidos Ferragens Secos e Molhados, a banda atacando um dobrado lento
de enterro ou procissão de sexta-feira santa, Fanhim Deixa-que-eu-Chuto subiu
como um macaco, sem escada nem nada, pelas anfractuosidades da parede principal
do estabelecimento comercial, amarrou o cartaz criminoso a uma corda e ele
desceu rodando para os braços do Cabo Luís, dali diretamente para a fogueira
preparada para tal fim, que o engoliu em dois tempos, alguns mais temerosos
receando papocos, mas nada aconteceu, pelo que a Siri-na-Lata atacou um
dobrado vibrante e todos voltaram ais quefazeres. O mesmo Cabo Luís,
acompanhado por três praças, de ordem do excelentíssimo senhor doutor juiz de
direito desta comarca, aos trinta do mês de março, varejou os hotéis de Dona
Quitéria, Boca-de-rã, Doroteu e os Familiar, convocando, melhor dito intimando
todo e qualquer caixeiro-viajante que lá estivesse aboletado para comparecer no
prazo de trinta minutos à sala do júri no intuito de ser submetido a um
interrogatório destinado a apurar, no respectivo inquérito, o responsável pela
colocação do cartaz nos altos da Casa Almeida Tecidos Ferragem Secos e
Molhados, sob pena de arcar com rigores da lei, que iam desde os previstos no
Código Penal aos aplicados nas caladas e gritadas da noite: cinco, os que
estavam na cidade, compareceram, declarando que sem coação, mas nenhuma de suas
representações se ligava, embora remotamente, a qualquer produto de beleza,
suposição primeira das damas dos próceres, tendo em vista a palavra verbena. Um
vendia produtos farmacêuticos altamente especializados em sífilis, blenorragia,
mula, quarta-venérea, afogagem, crista-de-Galo, cavalo, cancro-mole; outro se
dedicava unicamente à disseminação dos produtos regeneradores das forças vitais
como o Reconstituinte Silva Araújo, o Biotônico Fontoura (cada frasco acompanhado pelo Jeca Tatu de Monteiro Lobato), o
Gluconato de Cálcio Alemão; o terceiro aos xaropes contra as tosses, fossem
coqueluche, piado de gato, seca, bronquite, catarral: Bromil, Rum Creodotado,
Creosoto de Faia, Fimatosan: o penúltimo se especializara em medicamentos para
o aparelho digestivo: Elixir de Inhame, Bicarbonato de Sódio Cooper,
Gotas-Amargas do Doutor Gilvan; e o derradeiro aos problemas da escassez ou da
abundância feminina nos seus fluxos mensais: saúde da Mulher e Regulador
Gesteira (N° 1 e N°2). Absolvidos e aliviados reuniram-se à noite no café de
Nenê Milhaço, beberam dúzias de cerveja alternada com goles de Genebra Foquim,
vomitaram no salão, quebraram algumas mesas e terminaram dormindo no xilindró,
por castigo na mesma cela de Bole-Bole que fedia mais do que nunca, já que a
digníssima do prefeito, afobada, atarefada e tonteada pela campanha anticartaz,
lá se esqueceu de ir e insistir para que ela tomasse o seu banho mensal de
leco-leco.
No segundo dia das diligencias o promotor teve uma intuição
condoreira: Só podem ter sido os bolchevistas. Foi o quanto bastou para que o
juiz expedisse de boca a ordem de prisão e o delegado chamasse o Cabo Luís com
os seus praças para cumpri-la, o Cabo indo direto à Rua da Ponte onde o único
intelectual bolchevista da cidade morava com a sua mulher fazedora de
bolo-de-gome, entala-gato, batintope, bolas de cambará, vendidos em tabuleiro
dos dois: Zumba-Dentão, que assim chamado porque nas centenas de prisões por
que passara arrancando-lhe as unhas e todos os dentes menos o grandão da frente,
jamais nada se provando porque coisa nenhuma existia, mas ele pagando por
qualquer malfeito impune na cidade, seria mais uma vez, podia ser tudo maneiro
ou não, na verdade já se fazia muito tempo que era só protocolar, na
faz-de-conta, no arremedo, não tinha mais graça; mas se precisava esgotar todos
os recursos na elucidação do mistério, uma vez seria a primeira, e Zumba-Dentão
poderia ter se fingido de morto por todo esse tempo; foi chegando na delegacia
e para início das conversações, por ordem do delgado, levou um tapa-olho do
Cabo Luís que viu tudo rodar, tombou, caiu, quando se levantou: se mal
pergunto, por que motivo?, levou outro que achanou o pé da goela, procurando
ar, nas pontas dos pés, como se o ar
estivesse acima dele, foi se aquietando, calado estava calado ficou, então lá
vai pergunta, chovia pergunta de todo o lado, o triunvirato – juiz, promotor,
delegado – só observando, quem interrogava era Costinha, o vate langoroso das
valsas dançadas no Clube Literário recitando, entredentes, para a dama nunca
morrer assim, num dia assim, ágil na inquirição, em funções de escrivão da
polícia, se Zumba-Dentão suava ele suava mais ainda, pulava na ponta dos pés,
tomava goles de gasosa de bolinha, arrotava fofo, incansável, perquiridor, quer
perder o dente?, e o interrogado só sabia dizer não sai da minha casa; pararam
para almoçar, os quatro, posso ir embora?, de tão espantados se engasgaram,
bateram uns nas costas dos outros, borrifos, goles, admirações, continuaram
pela tarde adentro, não saí da minha casa, no fim da tarde o vate chamou o Cabo
Luís e disse arranque , Zumba-Dentão abriu a boca, o Cabo chegou com a torquês,
houve um suspense, segurou no pé do dente e puxou, quase nem saiu sangue, quase
também que nem doeu, a noite já estava chegando, o juiz na calçada se
encontrando com o doutor Bertoldo se lembrou que no dia, melhor na noite
assinalada o bolchevista estava mesmo de
cama com uma disenteria dos diabos, ele lá estivera, o quarteto riu, o doutor
se afastou balançando a cabeça, uma semana depois era Zumba-sem-Dente para
todos os efeitos.
No terceiro dia, por denúncia estrita e anônima, só que todo
mundo sabia que quem escrevia carta-anônima ali era Lambe-Lambe, foi chamado o
conhecido herbanário e homeopata Alfredinho-Bom-de- Cheiro, mais amarelo que
nunca via de cãibra de medo, interrogado com meticulosidade, tartamudeantemente
respondendo às questões, negando, jamais, juro, lidei com as verbenas, da
família das verbanáceas, conhecidas vulgarmente por camaradinhas, recitando
pois o verbete do Dicionário da Língua de Jaime Seguier, aqui só encontradas nos mais
provectos jardins das mais ilustres casas das mais ilustríssimas damas, como
poderia eu? , nunca fiz estudos de tal delicadeza tamanha, repito, ameaças mil
não surtira, efeito, Alfredinho-Bom-de-Cheiro, de cara com a maldade e a
tortura (tinham um odor dos mais estranhos, asseverou depois, uma mistura de
sovaco de soldado com merda de urubu diluída em mijo de vaca prenhe) , já
passava do amarelo, para o verde pálido, depois em verde mais carregado, cor de
folha mesmo, parecia um calango vestido de fraque. Vai então o excelentíssimo
senhor doutor juiz de direito dos nascimentos casamentos e óbitos desta comarca
aos tantos interrompeu a mão na cara de Alfredinho-bom-de-Cheiro, a mão
gordinha quase escura da vate Costinha, com uma pena recôndita, homem de bons
sentimentos, e mandou parar, estou convencido de que esse pobre diabo nada ter
a ver com a coisa. Foi o que mais insultou o herbanário, que de lá saiu
furioso, daí em diante, quando podendo, com as maiores precauções, insultando a
autoridade, tenho a minha personalidade, sou homem pra agüentar repuxo, não
fujo da parada, só não admito insultos à minha personalidade nem nome de mãe.
Diabo de uma merda de cidade desse tamanho, já se vasculhou
tudo, não se sabe mais o que se faça, afirmava o doutor juiz de direito numa
partida de gamão com Santos Lafaeite, ao entardecer do dia, não se encontra o
criminoso que tanto tem agitado a ordeira população com aquele seu cartaz
estúpido sem pé nem cabeça. Isto por haver passado grande parte do dia anterior
e toda a tarde desse inquirindo com palavras, quirisadas, chapuletadas bem
distribuídas os marginais do burgo. Vieram Mateus de bumba-meu-boi, bedeguebas
de pastoril, capitães da fandango, mamulengueiros, mestre de samba-de- baque e
ninguém sabia nada, ninguém, jamais tivera notícia de autor de tal proeza que
um deles, porta - voz da ralé afirmou como sendo a mais inóbil já perpetrada
naquelas cercanias. Assinaram um termo se comprometendo a delatar o infrator,
indo até mais além, assinaram um termo se comprometendo a sindicar nas camadas
baixas em que viviam os falatórios que pudessem levar à elucidação daquele
mistério de Paris no dizer de Lelé o fotógrafo. Mas se fosse esperar por isso,
sabiam, iriam esperar sentados, pois aquela gente não tem nenhum pudor, nenhum
pejo, nenhum sentido social de solidariedade humana, sou eu quem diz, eu Costa
Andrada, interrogador.
Foi o caso que favoreceu o Cabo Luís, sem estar no seu
cumprimento do dever nem nada, não era direito, foi o que os bengalafumengas
disseram depois, não valia, cogitaram até de mandar o Cabo desta vida para a
outra, desistindo da idéia somente porque não sendo tempo de eleição nenhum
babaquara os protegeria do castigo da justiça, que invocada seria e alcançaria
a todos, justiça não faz distinção de raça, religião e posição social: o cabo
Luís estava sentado no botequim de Guará, toando de graça as suas habituais
cachaças de raiz, quando chegou Dorotéia-Rabo-Peludo de maletinha na mão, foi
uma alegria de todos, como se foi de Gameleira?, demorou muito, tome um guaraná
Fratelli, conte as festas, e La vai palavras, lá vai risada, lá vão ditos e
negaças, lá vai piadinhas,e entrelinhas, elá vai coisa, e no meio de um
daqueles silêncios que se fazem em toda a reunião, alto e bom som
Dorotéia-Rabo-Peludo perguntou com a maior naturalidade do mundo onde está
Verbena que faz ponto aqui toda noite a essa hora? As línguas pronunciaram
palavras jamais pensadas na ânsia de fazer barulho para abafar a interrogação
por demais comprida aliás e eram todas ao mesmo tempo mais aos gritos do que às
falas e de repente foi um grito maior que fez voltar o silêncio e La estava o
Cabo Luís de olhos injetados olhando nos olhos de cada um, era só escolher,
avançou e abecou Guará, arrastando-o por cima do balcão, você vai comigo,
Dorotéia-Tabo-Peludo não entedia o que estava passando, quis intervir,
puxaram-na para um canto, calma mulher, depois eu explico, não se meta agora,
deixe que Guará sabe o que pode fazer.
Guará sabia o que podia fazer mas não agüentou mais de
quarenta e oito horas. Que agüentou, agüentou: pau na marra, pau na bunda,
cacetada nos penduricalhos, cacete no ventoso, extração de dentes e de
pentelhos, arranco da unha do indicador da desta e quebra do dedo mínimo da
sinistra, novamente cacete na panasqueira. Na noite do segundo dia, sem querer,
o Cabo Luís acertou com o fraco de Guará que jamais comera comida quente em sua
vida desde que a mãe lhe contara todas as noites durante cinco anos, para
dormir e lhe trazer pesadelos, a estória de água meu netinho azeite senhora
avó: felá da puta, se você não abrir o focinho eu lhe meto um ovo quente na
boca e costuro com arame. Guará ainda pensou que fosse somente ameaça, mas
quando viu o dito referido numa colher de sopa, pegando fogo, engasgou-se e
obrou tudo: diz que Verbena deixou a
vida de puta para amigar-se com Otoniel, o filho de Odin; diz que sim, aquele
mesmo que vive fazendo novenas contra as ordens do Padre Alípio e que é devoto
de São Sebastião; diz que amor à primeira vista, que Otoniel jamais conhecera
mulher vivendo das bem tocadas gloriosas, aqui estou livre de pegar doença
feia, aqui estou livre de roubar mulher alheia; diz que em dois dias Verbena se
apaixonou Poe ele, que foram morar juntos numa casinha no Alto do Matadouro,
que de tão alegre Otoniel escrevera ele mesmo aquele cartaz e de madrugada
colocara-o no altos da Casa Almeida Tecidos Ferragens Secos e Molhados com a
maior inocência sem saber de posturas municipais e segurança nacional, somente
para anunciar o amor; diz que o infrator de nada está sabendo, pois além de
nada entender afora santos e agora amor, ninguém quis incomodá-lo durante esse
período. Diz mais que são as mulheres e os jogadores do Alto do Lenhador que
estão sustentando o casal e que quando passar a tesao original Otoniel era
trabalhar com ele depoente, Verbena podendo fazer a vida até a hora de irem
para casa; e o que disse mais estava fora das tábuas da lei pelo que foi na
palavra casa lido e achado conforme assino a presente declaração por livre e
espontânea vontade Menelau Alves da Silva vulgo Guará.
Foi por iniciativa própria que o Cabo Luís agiu daquela
maneira, conforme ficou provado no inquérito que se seguiu, nem mesmo chegando
a ir a júri, muito menos cadeia, afastado do cargo durante uma semana enquanto
juiz, promotor e delegado verificavam a melhor maneira de tirar a pobre
autoridade subalterna daquela enrascada. Foi assim: deixando Guará aos tombos
quebrados dirigiu-se à moradia do casal lá para as onze da noite, sem chamar
nem moço botou a porta abaixo com a coronha do rifle, arrastou Otoniel de olhos
redondos de cima de Verbema de olhos mortos até o quintal e lá deu-lhe uma
coronhada bem aplicada para começar a brincadeira mas a brincadeira terminou
ali na mesma hora subitamente espoucada sem ais e quando o Cabo constatou
aquilo não fez mais que lançar um suspiro, não ia divertir-se, do que ele fez
depois não há testemunhas visuais ou auriculares, nem mesmo Verbena testemunha
da primeira parte que desmaiou durante horas até ser socorrida pelas ventoinhas
outras.
Quando a barra do dia ia quebrando aqueles que passavam no
Cruzeiro podiam distinguir um vulto nele pregado e os que tiveram a coragem
demasiada de aproximar-se reconheceram Otoniel, filho de Odin, um facão rabo-de-galo
enfiado no peito, Entre o peito e o cabo da lâmina um cartaz: O REI DOS
FRESCOS. Mas quando o dia clareou de vez, Otoniel na estava mais lá. Em casa do
juiz bebiam-se os últimos cálices de Quinado Constantino, enquanto os notáveis
da cidade preparavam-se para regressar à paz.
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